Mais uma das nossas muitas histórias…

A melhor coisa que me aconteceu“, será o título de um livro muito útil para estes momentos.
  Faz cerca de 10 anos, estávamos a tratar uma pequenina, que estava a aproximar-se do período em que lhe fora indicado o enxerto ósseo secundário.
  Tudo tinha corrido com grande normalidade no seu tratamento, até então. Lourinha, de grandes olhos azuis, um tanto recatada, mas sempre muito colaboradora, a nossa pequenina abordou-nos numa das consultas de grupo que precedia a sua próxima batalha e sentenciou: “não quero ser operada”.
  Considerando que, de acordo com o nosso protocolo, o enxerto ósseo secundário é realizado entre os 8 e os 12 anos aproximadamente, a percepção de “perigo” e “risco de vida”, já pode ser um fantasma na cabeça destas crianças. A gestão desse receio é relativamente fácil de ultrapassar com o apoio da área de psicologia.
  Depois de ser atendida e ter ultrapassado o medo, apresentou-se na consulta de grupo novamente, mas muito mais determinada: “já não tenho medo.Quero fazer a cirurgia!”.
  Tudo preparado e agendada a cirurgia. Naquela manhã, por alguma razão que já não me recordo, chegamos juntos ao Serviço de Cirurgia Pediátrica, Dr. Bessa Monteiro e eu. Quando abrimos a porta do corredor principal, avistamos ao fundo a correr em nossa direcção, dois grandes olhos azuis e um sorriso desafiador. Na mão, a criança trazia um envelope e uma carta.

 

 

Além do voto de confiança, a carta trazia umas imagens retiradas na internet, que vinham com suas legendas grifadas. Ela queria que lhe “déssemos” uma “boca assim”.
  O peso desta responsabilidade, nunca foi um fardo. Nunca alimentamos ilusões. Nenhum de nós, médicos ou paramédicos da equipa, tem poderes mágicos. Estamos limitados pela biologia, pela fisiologia, pela realidade enfim. Mas somos todos muito persistentes e nos permitimos sonhar. Lutamos pelos nossos sonhos. Lutamos pelos sonhos dos nossos pequenos heróis.
  Passados alguns anos, agora quero devolver à pequenina, agora menos pequenina, a carta com o pedido e juntar-lhe duas fotografias. Apenas para dizer-lhe:
Não podíamos prometer-te, mas cumprimos!
  Bem haja, “Olhinhos Azuis”!