Histórias de Vida, contadas na primeira pessoa.

Cansei de esperar pelas respostas à entrevista. Estou farto de ver o nosso espaço aqui sem nehuma movimentação. Daí resolvi retomar outro projecto antigo. Já em tempos, vos transmiti a história da Ana Luis, contata pela mamã dela. Agora, quero que conheçam também a história do Alexandre, o nosso Alex! A Sónia e o Paulo são dois motores da nossa APFP, trabalhando incansavelmente na Força Tarefa. Vou vos oferecer o texto original, para tentar não conspurcar a força e emoção das palavras de quem viveu e vive a realidade de ter uma experiência certamente marcante e difícil de contar. Obrigado aos dois: Sónia e Paulo.
Voz aos papás!!
Sónia e Paulo, pais do Alexandre, uma vida em comum há já 7 anos quando decidimos que estava na hora de termos um filho. A ansiedade, o querer muito, impediram por vários meses que a gravides acontecesse e quando menos esperávamos, estava grávida.
Consultas mensais, analises, ecografias mensais, e tudo corria bem. Não enjoei, não tive os ditos desejos, tudo parecia correr bem.
Ás 36 semanas tive uma suposta crise de apendicite, entrei na urgência do hospital São sebastião e ali permaneci internada para tentarem aguentar, pois segundo diziam, a cirurgia embora fosse possível, tornava-se arriscada, visto estar quase no fim do tempo. Alta dois dias depois com a condição de voltar a uma consulta na semana seguinte. A semana chegou e lá fui eu, levei todos os exames e ecografias. O que o médico disse, ainda hoje me está na cabeça , olhando para as ecografias “mãe, neste momento o seu filho poderá ser deficiente e a mãe nunca saberá por estas ecografias”, entrei em pânico, a minha mãe que me acompanhava simplesmente ficou muda. Perguntei o porque de ele me estar a dizer semelhante coisa e ele diz “agora falta pouco tempo, em breve saberemos como está o bebé”. Sei que nesse dia conduzi até casa, mas não me lembro. A minha mãe e eu, não mais tocamos no assunto, nem mesmo com o Paulo.
Semana seguinte, 3h da madrugada e eis que o filhote decide dar sinais. Estava a chegar a hora. Acordei o pai e a avó e lá fomos nós para o hospital São Sebastião. O Alexandre, já a nascer, mostrava a sua teimosia. Desmaiei, a parteira, não me parecia em nada preocupada, de repente aquela máquina que tinha ligada a mim dava sinal que algo estava mal. Ouço a parteira chamar um médico com urgência. Comecei e chorar, sentia que o meu filho não estava bem. O médico, com muita calma, explica-me que devido à greve dos anestesistas eu teria que sentir tudo, explicou-me que o bébé tinha que sair naqueles minutos seguintes ou corria o risco de Ter uma paragem cerebral. Mostrou-me uns “ferros” que iria usar para puxar o meu filho e pediu-me para eu o ajudar, para eu ajudar o meu filho. Ainda hoje, me fere lembrar aquele momento, o médico dizer-me que a vida do meu filho estava dependente de mim. As horas difíceis que passei, não são nada comparadas com a dor que senti quando percebi que o meu bebé não estava bem!! 10he2m nasce o Alexandre, gera-se um pânico na sala, o bebé não chorava, lembro-me que olhei para o lado e vi o meu filho seguro pelos dois pezitos pequeninos e tentavam colocar-lhe um tubo pela boca. Pedia à minha mãe que me dissesse o que se estava a passar, ouvi o medico a perguntar à minha mãe se sabíamos e ela a responder que não. Pedem para chamar o pai e levam o meu filho para fora da sala de partos, nesse momento acho que desmaiei de novo, quando acordei o Paulo estava ao meu lado junto a minha mãe e uma médica e só me pediam para ter calma , que tudo estava bem e que o Alexandre já viria para junto de mim, isto se eu deixa-se de chorar! Eu não podia chorar se quisesse ver o eu filho.
Acalmei-me, pois o que mais queria naquele momento, era ver o meu filho…vê-lo, foi um choque tremendo, roxinho, chorava imenso e no lugar da boquita tinha um buraco e não sabia o que era!! Para juntar a tudo isto, a cabeça do Alexandre não era normal, os fórceps tinham-lhe tirado a forma redondinha habitual que costumamos ver! Não queria acreditar que tudo aquilo que me estava a acontecer!!
Os dias passados no hospital foram de negação, eu achava que era um pesadelo e quando acordasse nada daquilo me tinha acontecido.
O Alexandre não pegava na mama, por isso o Dr. deu-me uns medicamentos para secar o leite que eu tinha, mas teimosa como sou, não tomei, convenci-me que em casa e porque o meu filho era normalissimo, iria conseguir dar-lhe de comer. Erro crasso, mas bom, saímos do hospital já com consulta agendada para um cirurgião, na semana seguinte.
A consulta não foi o que eu esperava, pois no momento eu precisava ouvir que o meu filho iria ficar bem, e o que ouvi foi que o Alexandre era um dos casos mais complicados que tinham visto. Mais duas consultas agendadas e a cirurgia marcada, caso o Alexandre tivesse o peso aconselhável.
09/04/2001, o dia que nós pais tanto ansiávamos, chegou. A queiloplastia estava marcada para as 11h. Ouvimos o nome do Alexandre, estava na hora da preparação pré cirúrgica. Ter que entregar o meu filho, tão pequenino, tão indefeso, nas mãos de pessoas que eu não conhecia, fez com que as forças que aparentemente eu tinha, desaparecessem!! O tempo de espera é uma angustia tremenda, mas ver depois o meu filho, após a cirurgia, foi das coisas piores que vivi até ao momento! Ele gritava, o sangue estava seco por todo o rosto, e eu não estava minimamente preparada para cuidar assim do meu filho. As mãos, com umas talas enormes para ele não conseguir tocar na cicatriz, parecia uma coelhinho. Escusado será dizer que as noites passadas no hospital, foram passadas em branco. O meu filho que até então respirava pela fenda, não sabia respirar, eu tinha que lhe abrir a boca para ele respirar. Senti uma falta de apoio profissional enorme, pois por mais que eu lesse, por mais buscas que fizesse, em lado algum me ensinaram a gerir os meus sentimentos e as minhas frustrações e muito menos me ensinaram a cuidar do meu filho naquele estado do pós cirúrgico! Eu só chorava e se já me sentia a pior mãe do mundo, ouvir as enfermeiras dizerem que não era caso para eu estar assim, que existiam casos bem piores e que devia agradecer a Deus, revoltava-me mais ainda. Hoje sei que foi egoísta, sim, porque infelizmente existem casos bem piores, mas no momento só pensamos na nossa criança indefesa e como sofre.
Uma fase estava concluída, a próxima estava marcada, 07/02/2002, fechar o palato.
Agora tinha que aprender a alimentar o Alexandre, pois estava ele com quase 5 meses e a alimentação iria ser mudada. A minha dúvida era como será possível eu dar sopa ao meu filho?? O leite saía todo pela narina e eu só imaginava como seria a sopa, a papa!! Com muita paciência da minha mãe lá fui aprendendo a alimentar o meu filho, com alguns sustos entretanto, pois quando se engasgava era o caus cá em casa, entravam todos em pânico.
07/02/2002 – O Alexandre ia fechar o palato e ser operado a uma hérnia. Mais umas horas angustiantes. Quando vi o meu filho, depois da cirurgia, eram tubos para todo o lado, sondas, soro, parecia um pesadelo!! O Alexandre não descansou enquanto não arrancou a sonda e o soro, foram momentos de pânico e ainda tive que ouvir “Ó mãe, porque não impediu o seu filho de tirar a sonda?? Agora quero ver como se vai alimentar ele!! “ Por mais preparados que nós pais achemos que estamos, nunca nos preparamos para o que se vai passando. Falei com o cirurgião, um excelente profissional apesar dos parcos recursos que dispõem e pedi para dar alta ao Alex, pois em casa sentia-me com mais capacidades para poder cuidar do meu filho, e o Dr. concordou e deixou o Alex vir para casa.
Nas consultas seguintes, o Dr. explicou-me que na cirurgia deviam ter sido colocados uns tubinhos nas narinas, mas que o hospital ainda não os tinha, agendamos então uma data para uma nova cirurgia, para a colocação dos ditos tubinhos e correcção da narina. Cirurgia essa marcada para 21/10/2004. A cirurgia não correu como o previsto, os tubinhos de silicone eram demasiadamente compridos, saindo com facilidade. A narina, ficou mais torta do que estava. Hoje sei que só se deve mexer na cartilagem, ou seja, na narina, por volta dos 12/13 anos, mas eu confiei nos profissionais que seguiam o meu filho.
Como tinha por hábito ler muito sobre o assunto, questionava imensas vezes o Dr. se o meu filho não precisava de cuidados especiais na dentição, na audição e na fala.
O pediatra foi um amigo, teve comigo uma paciência indiscritível. Tudo o tipo de doenças, que eu visse na TV, achava que o meu filho as tinha e então lá ligava eu para o pediatra, por fim ele já aconselhava o Paulo a tirar as televisões cá de casa. Sempre teve o cuidado de me alertar para os passos que eu devia seguir.
Em 2005 o Alexandre teve a primeira consulta de dentista e durante 2 anos, tinha consulta mensal, mas isso não impediu o meu filho de ficar com os dentes todos estragados. Era normal, diziam-me, mas não era não, e hoje sei isso. Em 2007, fomos informados que o Alexandre teria alta do dentista hospitalar e que teria que ser seguido no particular, pois necessitava de um aparelho para alargamento do maxilar. Entretanto a Drª de otorrino informa que será melhor o Alexandre remover as amígdalas, pois faz muitas pausas respiratórias durante o sono. Em termos de audição o Alex estava muito bem, repetiu várias vezes os diversos exames e não precisava ser operado. A operação correu muito bem e o Alexandre, talvez já habituado a estas andanças, lá brincava connosco, sim, era ele quem mais animo nos dava.
O passo seguinte, a terapeuta da fala. Achava eu que seria alguém com uma paciência acima da minha, alguém com um carisma especial. Desilusão, a Drª depois de 2 ou 3 perguntas ao Alex questiona-me o porquê daquela consulta, pois segundo ela, não era necessária… Escusado será dizer que saí daquela sala com a intenção de não mais voltar.
Estava na hora de visitar então o novo dentista. Consultas de 15 em 15 dias, vai informando como funcionará o aparelho. Moldes e mais moldes, o Alexandre não aceita muito bem , mas lá chega o dia de colocar o aparelho.
Mais uma etapa que o meu filho tem que passar, o aparelho não é de fácil adaptação, e muito mais complicado se torna visto que o Alex não tem dentes, mas sim raízes.
Admito que interiormente não depositei grande confiança neste profissional, mas nós pais tentamos fazer o possível e impossível para o bem dos nossos filhos e era isso que eu achava que estava a fazer.
Conversei com algumas mães na net, com filhos com fenda como o Alexandre e o que mais me admirava era nenhum deles usar o aparelho e as mães nem sequer tinham ouvido falar.
Não andava bem comigo mesma, sentia que algo não corria bem. Era o aparelho, era o facto de o cirurgião dizer que nada mais havia a fazer por ora, era eu ver casos de fendas corrigidas totalmente diferentes das do Alexandre, enfim, um cem número de dúvidas!!
Um dia, numa conversa com uma mãe de Lisboa sou informada do blog da APFP e não hesitei em visitar. Afinal, durante 7 anos, li muito pouco em português sobre fendas labio-palatinas, pois informação mesmo eu só encontrava em sites estrangeiros. Li tudo naquele dia, acho que li e reli mais que uma vez. Confesso que fiquei surpreendida ao perceber que existiam profissionais preocupados com crianças como o Alexandre, pois até aqui tinham-me incutido a ideia que eu fazia um drama onde ele não existia, o Alexandre tinha uma má formação irrelevante perante o olhar dos profissionais que o acompanhavam. Questionei-me muitas vezes das minhas capacidades psicológicas, questionava se realmente o que eu sentia era sentido exclusivamente por mim.
Ler o Lipi foi uma lufada de ar fresco na minha vida, mas ao mesmo tempo provocou-me um turbilhão de emoções. Senti as minhas forças a desvanecerem-se de novo, pois concluí, que apesar de todos os nossos esforços, o que tínhamos feito pelo Alex não tinha sido o suficiente.
Mas, como nunca é tarde, e eu acredito que não, daqui para a frente o meu filho vai ter o acompanhamento correcto e nós pais, esperamos e queremos ajudar pais em situação semelhante à nossa, pois hoje sei, que uma simples conversa com alguém que nos entende, faz-nos ter força para seguir em frente com um sorriso no rosto.
Como pais, temos noção que o caminho a seguir é ainda longo, mas hoje não nos sentimos sozinhos, hoje sentimos que temos aquele apoio que nos faltou muitas vezes e é esse apoio que disponibilizamos totalmente a quem dele necessite.
Que o Pai Eterno vos abençoe e nos ilumine a todos; que dê forças a toda a nossa equipa, para continuar a lutar por todos e cada um de vocês.
Bem hajam
Lipi Rabit